A previsão meteorológica apontava para o pior: céu muito nublado e chuva. Pior: nuvens cinzentas sobre as nossas cabeças, chuvas torrenciais, raios e coriscos. No fim de semana que passou, realizou-se a Travessia de Primavera 2012, uma ansiada actividade da associação Kayaking for the People. No menú esteve a Ria de Vigo. Aparentemente, o prato não agradava ao S. Pedro, embora com o aproximar do momento, a previsão fosse melhorando.
O dia chegou. Corajosamente... quer dizer: inconscientemente mas cheios de vontade, metemo-nos ao caminho no Sábado pelas 06:00. É uma viagem fácil e regular até á praia de Limens, localizada na margem norte da Ria de Vigo. As três horas e meia de estrada passaram num instantinho!
O aproximar da “zona de impacto” revela a vista paradisíaca que caracteriza as Rias Baixas. O que vimos foi céu azul-claro com umas nuvens brancas. Descendo o olhar, o azul tornava-se mais intenso. O continente, pedregoso e agreste, salpicado de casas, esventra o Atlântico em águas de uma transparência única. Ao longe, na boca da ria, estão as Ilhas Cíes, imóveis. Passamos os 1555 metros da Ponte de Rande, que chegou a ser considerado o mais largo viaduto do mundo, e desviamo-nos para Cangas. Só mais uns minutos e aterramos suavemente mesmo nas areias brancas da praia de Limens. Esta região possui alojamento abundante e economicamente suportavel; inúmeras rotas para caminhadas, passeios de bicicleta, de carro; a costa é ideal para o mergulho: possui declives suaves e intercala o fundo rochoso com areia imersos numa água transparente. Mais ainda, possui uma praia de nudistas a três quilómetros, argumento que facilmente derruba todos os restantes!
Encontramos a tropa do costume, desmontamos os kayaks e equipamo-nos. Tinhamos fome de água! E que excelente brinde receberamos do S. Pedro! Montados em kayak, rumamos para o interior. Junto á linha de costa, explorando todos os seus recortes mas também as infraestruturas ligadas á pesca; mais para dentro do mar, observando as curiosas plataformas de cultura de mariscos. A costa é rochosa e encontramos entre calhaus de especto agreste pequenos areais brancos aos quais se acede, por terra, através de estreitos caminhos ou passadiços de madeira. Foi numa destas baías privadas que encontrámos poiso para repasto retemperador de forças. A experiência tem vindo a proporcionar assinalável incremento qualitativo nas refeições kayakeiras. Quer do ponto de vista nutritivo, quer do paladar, esta Travessia atingiu um pico em qualidade! O momento culminou com um cafézinho feito na hora e servido em vaso apropriado - este momento foi proporcionado pelo Rui e pelo Roxo, dois experientes kayakeiros que também foram os artífices de uma certa sopa de cenoura que por ali circulou naquele dia. Ainda houve tempo para encontrar algumas vieiras que tinham sido entregues na praia pela borrasca que se fizera sentir poucos dias antes.
Reiniciamos as pagaiadas no sentido do regresso e, apesar de se ter levantado um vento forte que encrespou o mar, ainda houve tempo para ir espreitar uma praia mais fora da rota (não, não era a dos nudistas!!!). Apesar de tudo, o mar, encrespando-se, tem um interesse acrescido.
Qual é a parte melhor de levar uma sova? É a convalescença! Por isso, tratámos de arrumar o material num fim de dia solarengo naquela praia de areia fina e branca, rumámos a banhos bem quentes e a uma refeição bem merecida em muito alegre convívio. Aquelas empanadilhas são uma categoria!
Os mais corajosos em tendas, os mais burgueses em bungalows - a noite foi para descansar que os ossos ficam pesados com a exposição prolongada à água do mar!
No Domingo rumámos á Ria de Aldan, situada a dez minutos de carro, para norte. Mais uma vez demos graças ao S. Pedro por ser tão amigo! Entramos no mar com o objectivo de percorrer a margem sul, atravessar e regressar pela margem sul. O “fim” da ria é assinalado pela entrada em mar “a sério”, com os desniveis e agitação característicos. Vento, quase nada. Ao longe, para noroeste, a Ilha de Ons. A Sudoeste, as Cies. Dá ganas de avançar, para elas, dando tracção com as pás ao mar, mas não é dia para isso (nem sei se alguma vez será...)
Regressamos a uma praia abrigada para tomar a refeição. As águas são tão transparentes que parece que deslizamos sobre vidro. Vemos a nossa própria sombra no fundo, a dois ou três metros. Desta vez, o repasto amolece e as forças apontam para uma sesta naquela areia, a fazer-nos torrar sob o sol galego.
Levantou-se ventania que colocou em causa o atravessamento. Iniciámos o percurso de regresso à base observando todos aqueles recantos. Bem nos tinham avisado que a ria de Aldan, em particular a margem sul, era muito rica: praias, recantos, linguas de areia, grandes calhaus, detalhes no fundo das águas sempre visiveis através daquela transparência mágica! No regresso, ainda atravessámos a ria através das tão curiosas plataformas de mexilhão, para brincar na pequena rebentação numa das praias – de areia fina e branca e água transparente. Houve quem se estreasse nos abanicos em kayak e houve quem matasse saudades de uma bela surfada. O vento, ainda mais forte, aquele vento tão típico de fim de dia, empurrou-nos literalmente para fora da água e chegámos ao fim em velocidade recorde. Confesse-se que, embora sem grande vontade, arrumámos a tralha, partilhámos umas cañas e partimos de regresso – já a pensar na próxima, duplamente: na próxima travessia mas também num regresso à Galiza.
Nesta pequena aventura, estreou-se um RPF Narvik. Trata-se de uma escuna com 495 cms e três compartimentos estanques. É uma criatura que, apesar de não ter um aspecto “gordo”, é, pela sua envergadura, uma nave muito espaçosa. Curiosamente, apesar das advertências para o facto de, com vento, se tornar difícil de direccionar, tal não se verificou. Um argumento, poderá ser o casco ligeiramente pronunciado em “v” – (os especialistas dirão melhor), que lhe confere essa estabilidade. Outro argumento, é o patilhão retráctil, que, quando se faz descer com recurso a um pinchavelho junto à mão esquerda, fixa a direcção da escuna, o que é muito útil se o malandro quiser fugir lateralmente ao surfar – quem diria! Apesar da volumetria lhe conferir uma flutuabilidade elevada, ainda se conseguiu que o Atlântico lhe lambesse o convés – é um verdadeiro menino para as águas agitadas! Mas a característica que causou mais surpresa é a arrumação que possui. Á ré, uma tampa oval assegura a introdução de uma tenda, ou de objectos volumosos. Atrás do banco tem um compartimento quadrangular cuja tampa de 24 permite um acesso sem problemas. Á proa tem o terceiro compartimento que, mesmo afunilado, é muito generoso. Aprovadíssimo!
Duas palavras finais,
- uma para a organização: mais uma vez, o João Simões (para além de ser uma excelente companhia) e a KFP, impecável... e o lobby no S. Pedro a funcionar!!!
- outra, é um convite, a todos os interessados, curiosos, desconfiados, lesionados, etc, para se interessarem, perguntarem e participarem nestas actividades – isto é uma actividade ao alcance de todos!
Até á próxima!